A Lei nº 14.735, de 23 de novembro de 2023, instituiu a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (LONPC), dispondo sobre suas normas gerais de funcionamento.
O inciso XXVIII, do artigo 30, da LONPC, garantiu aos policiais civis o direito ao auxílio-saúde, nos seguintes termos:
Art. 30. São assegurados aos policiais civis em atividade os seguintes direitos e garantias, sem prejuízo de outros estabelecidos em lei:
XXVIII – auxílio-saúde, de caráter indenizatório, nos termos da legislação do respectivo ente federativo.
Este dispositivo está em perfeita harmonia com o artigo 6º, da Constituição [1], que garante o direito social à saúde.
Ocorre que o inciso XXVIII, do artigo 30, da Lei nº 14.735/2023, foi vetado pelo presidente da República, sob a alegação de inconstitucionalidade, por suposta violação ao § 7º, do artigo 167, da Constituição [2]. O § 7º, do artigo 167, da Carta Magna, estabelece que a lei não pode impor ou transferir encargos financeiros para a União, estados, Distrito Federal ou municípios, sem que haja uma previsão orçamentária e financeira para isso.
Rejeição a veto presidencial
Entretanto, no dia 29 de maio de 2024, os senadores e deputados federais rejeitaram o veto presidencial imposto ao inciso XXVIII, do artigo 30, LONPC, assegurando aos policiais civis o direito ao auxílio-saúde.
Ressalte-se que o mencionado benefício se estende aos policiais civis aposentados, conforme o § 2º, do artigo 30, da LONPC.
Art. 30 – …
§ 2º Aos policiais civis aposentados são assegurados os direitos previstos nos incisos I, II, IV, V, XVII e XXVIII do caput deste artigo, ….
É importante enfatizar que o pagamento do auxílio-saúde aos policiais civis está plenamente justificado, principalmente, devido à natureza perigosa e insalubre da atividade exercida por estes profissionais da segurança pública, que demanda assistência médica.
Neste sentido, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a atividade policial é a segunda mais perigosa do mundo.
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Vale lembrar que o auxílio-saúde se destina a ressarcir as despesas com planos de saúde privados, de livre escolha, dos servidores públicos. Assim, este benefício tem caráter indenizatório, consequentemente o valor referente ao auxílio-saúde é rendimento isento e não tributável para fins de imposto de renda retido na fonte e contribuição previdenciária.
Adequação às novas regras
Por outro lado, a implementação deste direito depende de um projeto de lei, de iniciativa do governador do estado, conforme o disposto no inciso XXVIII, in fine, do artigo 30, da Lei nº 14.735/2023, que condicionou a efetivação desta medida à edição de norma pelo respectivo ente federativo.
Neste contexto, o artigo 48 [3], da Lei nº 14.735/2023, estabeleceu o prazo de 12 meses para o Estado editar normas, adequando sua legislação às novas regras da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis.
Contudo, este dispositivo foi vetado pelo presidente da República[4], sob a alegação de que tal norma é inconstitucional, por violar o princípio da separação de Poderes, previsto no artigo 2º, da Constituição [5], uma vez que impõe aos entes federativos iniciativa legislativa.
Importa notar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já analisou questão semelhante no julgamento da ADI 546/DF, decidindo que:
“Tratando-se de projeto de lei de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, não pode o Poder Legislativo assinar-lhe prazo para o exercício dessa prerrogativa sua.”
Portanto, resta a expectativa de que o governador de São Paulo conceda aos policiais civis o direito ao auxílio-saúde no projeto da nova Lei Orgânica da Polícia Civil, que deverá ser enviado, em breve, à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
[1] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[2] Art. 167. São vedados:
§ 7º A lei não imporá nem transferirá qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio, ressalvadas as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados e aquelas decorrentes da fixação do salário mínimo, na forma do inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição.
[3] Art. 48. Os Estados e, no caso da Polícia Civil do Distrito Federal, a União devem adequar-se ao disposto nesta Lei no prazo de 12 (doze) meses, sob pena de sanções na forma da lei.
[4] Razão do Veto:
“No mesmo sentido vai o art. 48 do Projeto de Lei, ao impor ao Chefe do Poder Executivo de cada ente federativo o dever de encaminhar propostas de adequação em prazo estipulado. Trata-se de disposição claramente inconstitucional, na linha do que já decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 546/DF, e por afronta ao disposto no inciso II do § 1º do art. 61 da Constituição.
A proposição legislativa é também contrária ao interesse público, ao estabelecer prazo para que a União e os Estados se adequem ao disposto na proposição, tendo em vista que tal disposição implica violação à separação de Poderes ao impor aos entes federativos iniciativa legislativa, inclusive em matérias de competência privativa dos Chefes dos Poderes Executivos, especialmente no que diz respeito à organização e ao funcionamento da administração e regime jurídico de servidores. ”
[5] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.